segunda-feira, 26 de abril de 2010

CRÓNICA

Um dia após comemorarmos o dia que nos trouxe alguma Liberdade, gostaria de partilhar convosco este texto que recebi por e-mail.


Strawberry fields forever

Os homens europeus descem sobre Marrocos com a missão de recrutar mulheres.
Nas cidades, vilas e aldeias é afixado o convite e as mulheres apresentam-se no local da selecção.
Inscrevem-se, são chamadas e inspeccionadas como cavalos ou gado nas feiras. Peso, altura, medidas,dentes e cabelo, e qualidades genéricas como força, balanço, resistência. São escolhidas a dedo, porque são muitas concorrentes para poucas vagas. Mais ou menos cinco mil são apuradas em vinte e cinco mil.
A selecção é impiedosa e enquanto as escolhidas respiram de alívio, as recusadas choram e arrepelam-se e queixam-se da vida. Uma foi recusada porque era muito alta e muito larga.São todas jovens, com menos de 40 anos e com filhos pequenos. Se tiverem mais de 50 anos são demasiado velhas e se não tiverem filhos são demasiado perigosas. As mulheres escolhidas são embarcadas e descem por sua vez sobre o Sul de Espanha, para a apanha de morangos. É uma actividade pesada, muitas horas de labuta para um salário diário de 35 euros. As mulheres têm casa ecomida, e trabalham de sol a sol.
É assim durante meses, seis meses no máximo, ao abrigo do que a Europa farta e saciada que vimos reunida em Lisboa chama Programa de Trabalhadores Convidados. São convidadas apenas as mulheres novas com filhos pequenos, porque essas, por causa dos filhos, não fugirão nem tentarão ficar na Europa. As estufas de morangos de Huelva e Almería, em Espanha, escolheram-nas porque elas são prisioneiras e reféns da família que deixaram para trás. Na Espanha socialista, este programa de recrutamento tão imaginativo, que faz lembrar as pesagens e apreciações a olho dos atributos físicos dos escravos africanos no tempo da escravatura, olhos, cabelos, dentes, unhas, toca a trabalhar, quem dá mais, é considerado pioneiro e chamam-lhe programa de "emigração ética".
Os nomes que os europeus arranjam para as suas patifarias e para sossegar as consciências são um modelo. Emigração ética, dizem eles.
Os homens são os empregadores. Dantes, os homens eram contratados para este trabalho. Eram tão poucos os que regressavam a África e tantos os que ficavam sem papéis na Europa que alguém se lembrou deste truque de recrutar mulheres para a apanha do morango. Com menos de 40 anos e filhos pequenos.
As que partem ficam tristes de deixar o marido e os filhos, as que ficam tristes ficam por terem sido recusadas. A culpa de não poderem ganhar o sustento pesa-lhes sobre a cabeça. Nas famílias alargadas dos marroquinos, a sogra e a mãe e as irmãs substituem a mãe mas, para os filhos, a separação constitui uma crueldade. E para as mães também. O recrutamento fez deslizar a responsabilidade de ganhar a vida e o pão dos ombros dos homens, desempregados perenes, para os das mulheres, impondo-lhes uma humilhação e uma privação.
Para os marroquinos, árabes ou berberes, a selecção e a separação são ofensivas, e engolem a raiva em silêncio. Da Europa, e de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. A separação faz com que muitas mulheres encontrem no regresso uma rival nos amores do marido.
Que esta história se passe no século XXI e que achemos isto normal, nós europeus, é que parece pouco saudável. A Europa, ou os burocratas europeus que vimos nos Jerónimos tratados como animais de luxo, com os seus carrões de vidros fumados, os seus motoristas, as suas secretárias, os seus conselheiros e assessores, as suas legiões de servos, mais os banquetes e concertos, interlúdios e viagens, cartões de crédito e milhas de passageiros frequentes, perdeu, perderam, a vergonha e a ética. Quem trata assim as mulheres dos outros jamais trataria assim as suas.
Os construtores da Europa, com as canetas de prata que assinam tratados e declarações em cenários de ouro, com a prosápia de vencedores, chamam à nova escravatura das mulheres do Magreb "emigração ética". Damos às mulheres "uma oportunidade", dizem eles. E quem se preocupa com os filhos?
Gostariam os europeus de separar os filhos deles das mães durante seis meses? Recrutariam os europeus mães dinamarquesas ou suecas, alemãs ou inglesas, portuguesas ou espanholas, para irem durante seis meses apanhar morango? Não. O método de recrutamento seria considerado vil, uma infâmia social. Psicólogos e institutos, organizações e ministérios levantar-se-iam contra a prática desumana e vozes e comunicados levantariam a questão da separação das mães dos filhos numa fase crucial da infância. Blá, blá, blá. O processo de selecção seria considerado indigno de uma democracia ocidental. O pior é que as democracias ocidentais tratam muito bem de si mesmas e muito mal dos outros, apesar de querem exportar o modelo e estarem muito preocupadas com os direitos humanos.
Como é possível fazermos isto às mulheres? Como é possível instituir uma separação entre trabalhadoras válidas, olhos, dentes, unhas, cabelo e inválidas?
Alguns dos filhos destas mulheres lembrar-se-ão.
Alguns dos filhos destas mulheres serão recrutados pelo Islão.
Esta Europa que presume de humana e humanista com o sr. Barroso à frente, às vezes mete nojo.

Um excelente texto da Clara Ferreira Alves sobre a Europa.

Dá que pensar sobre o rumo que a sociedade vem tomando

11 comentários:

  1. Comparado com o texto, eu diria que "...o dia em que ganhamos TODA a LIBERDADE!"

    Tudo de bom.

    Boa semana, com muitos beijinhos...embrulhados ou não ;):)

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  2. Quase apetece parafrasear Abril: "A Europa unida jamais será vencida..."
    Que vergonha!

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  3. Estou de "boca aberta", não sabia desta situação. Como as mulheres são humilhadas porque esta deve ser a única hipótese para ganhar algum dinheiro. Estamos no Sec. XXI, isto já não deveria acontecer.
    :(:(:(:(
    Bjocas
    Patty

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  4. Olha, eu acho esta situação tão revoltante que fico sem palavras. As CFA já fez todos os comentários. Só faço mais um: deixemo-nos de cinismos, e de conversas de socialismos. Mais vale assumir que continuamos a cuidar de nós e a desprezar o Outro. Até quando, não sei.
    Bjs

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  5. Já conhecia esta crónica, que foi publicada há uns tempos na Revista do Expresso onde a CFA tem uma crónica semanal, que em geral eu leio.
    Quanto à autora é uma fulana bastante culta, escreve bem, mas isenção de análise, em geral, não é com ela. Tem os seus amigos e inimigos de estimação, bajula uns e desanca outros.
    Mas vamos aos morangos...
    A meu ver o texto tem uma dose "exagerada" de demagogia o que aliás é típico numa boa parte dos escritos da CFA.
    Vejamos: os espanhois (os europeus em geral) é que são os maus da fita por darem emprego às mulheres marroquinas? E porque razão elas aceitam?
    Aceitam porque precisam de dinheiro e trabalho para sustentar a família e porque não o conseguem em Marrocos. Acontece com toda a gente em qualquer parte do mundo ou não?
    O problema é então escolherem mulheres com filhos?
    Ponhamos os pés no chão. Os empregadores empregam quem lhes dá mais garantias: rentabilidade, estabilidade, assiduidade, eficácia.
    Quem oferece isso tudo são as mulheres com necessidades e com urgências (p. ex. dar melhor presente aos filhos para terem um melhor futuro, já que o país de origem não lhes garante isso).
    A comparação entre os "Chefes europeus" com os seus belos carros e confortos e as pobres apanhadoras de morangos, é demagogia da mais rasteira, só para fazer bom efeito literário. Também a autora podia fazer a comparação entre essas mulheres e ela própria...
    As "apanhadoras de morangos" de todo o mundo nunca lerão as "CFA's". Se lessem talvez tivessem umas coisas a dizer-lhe e certamente lhe perguntariam se ela lhes arranjava melhor emprego e melhores condições.
    O problema é por serem marroquinas?
    Também há portugueses e portuguesas a "apanhar morangos" por esse mundo fora. Porquê? Porque os que deviam "plantar morangos" em Portugal alienaram esse direito por meia dúzia de maravedis. Assim vão por esse mundo fora "apanhar os morangos" dos outros. Há diferenças?
    Talvez então o problema seja, um dia, os filhos das marroquinas serem "apanhados" pelo Islão (leia-se Al Quaeda). E se as mães não fossem trabalhar isso não poderia acontecer por maioria de razão?
    O exemplo das mães que se esforçam e comem o pão que o diabo amassou para lhes dar melhores condições (a eles, filhos) não pode funcionar exactamente em sentido contrário?
    Enfim...isto dava pano para mangas e já me alonguei demais e fiquei por generalidades. Como a CFA, só que tentei ser mais realista e menos demagógico.
    (À margem: a razão destas "emigrações étnicas" está no facto dos espanhois não quererem trabalhar porque os subsídios que recebem lhe garantem um mínimo de regalias. A taxa de desemprego em Espanha é de 20%. Mas, para trabalhar, venham as marroquinas. Quem diz Espanha diz Portugal e outros países da Europa.
    Um dia pagarão(pagaremos) isto tudo com língua de palmo.
    Até lá..."coitadinhas das mulheres/mães marroquinas", que fazem pelos filhos o que outras já não fazem...)

    Desculpa o longo "comentário".
    Bjo.

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  6. As jovens mulheres portuguesas muitas vezes desconheem os direitos que Abril lhes trouxe...

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  7. Infelizmente, esta realidade não me é estranha. E acrescento: as mulheres mais bonitas, após a jornada da apanha do morango, são "utilizadas" noutras funções, mantendo os filhos sob custóia. Tráfico Humano, chamam-lhe!
    Obrigada por trazer este tema, para reflectir (ou não!), Beijo Grande

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  8. e para que se festeja o dia da mulher? Para nada, se a humilhação continua e enquanto houver uma mulher humilhada o dia da mulher não tem significado algum, para mim estou a falar no singular. kis

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  9. A TODOS UM OBRIGADA POR TEREM LIDO E POR TEREM COMENTADO.
    O TEXTO NÂO FOI ESCRITO POR MIM COMO BEM COMPREENDERAM, INCLUSIVAMENTE A PARTE FINAL, PUBLIQUEI-O TAL COMO O RECEBI, COM EXCEPÇÃO DA INTRODUÇÃO.
    ESTEJA OU NÂO O CONTEÚDO MAIS OU MENOS EMPOLADO, SEJA OU NÃO ESCRITO POR QUEM SE APRECIA OU POR QUEM NÃO SE APRECIA, O QUE LÁ VEM REFERIDO É REAL: A EXPLORAÇÃO DA MULHER QUE NÃO TEM, OU DESCONHECE, "ARMAS" PARA SE DEFENDER...
    O CERNE DA QUESTÃO É ESTA!
    BEIJINHOS "SEM EMBRULHO" PARA TODOS!

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  10. Faz-me imensa confusão a exploração deste tipo em pleno seculo XXI quando andamos todos a lutar e a reclamar pela plena igualdade de generos e os direitos humanos. Há coisas que andam devagar demais ...

    Bjokas ****

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