sábado, 30 de outubro de 2010

DOÇURA OU DIABRURA LIX

Hoje estou zangada! Muito zangada mesmo! O Senhor São Pedro trocou-me as voltas, tirou-me a vontade de fazer o que tinha planeado…
Decidi procurar-me nas palavras de um poeta, de uma para ser exacta, nascida a vinte e oito de Outubro de 1980, uma jovem que descreve bem os pensamentos que me invadem neste momento.

“Mulher lendo e ouvindo outra coisa”(1935)

Pablo Picasso (1881-1973)

SOU
Sou eu.
Com as particularidades que me determinam,
Com as características que me são próprias.

Lua em quarto crescente, certamente,
No encontro de uma consistência cada vez mais real,
No trilho de um equilíbrio mais conseguido!

Sou eu porque…
O tempo conduz a uma estrutura melhor definida,
Que estando consciente das inúmeras fragilidades, procura não se…
Desmonorar em contradições.

Sou…porque…
A dor experienciada,
Outrora incompreendida,
Indiciou crescimento!
Esta que por vezes parecia conduzir a um sentimento,
Cruel de “corrosão interior”
Foi dando lugar a uma essência mais “depurada”.

Sei e sinto…
A consciência da individualidade,
Foi e é em certas alturas promissora de alguma solidão.
Mas …por aqui não fico
Ainda que daqui não saia.
Saltarei cautelosamente,
Sem qualquer capricho ou presunção,
Tentando desprender-me de fantasmas.

De cada vez darei um passo,
Sem deixar de ter presente
Os passados tropeções.
Tentarei dissuadir
As más energias,
Sem muito querer exigir,
Da vida que sou.

E por mais vezes
Darei lugar ao ser,
Correspondendo com autenticidade.

E assim…sigo sem muito olhar,
Para trás!
Sem deixar pesar amargura,
Ou nesmo arrependimento.

Sigo tendo presente
A minha própria forma,
A verdade que sou,
A individualidade que detenho

Sigo sendo…simplesmente.
Cristina Santos, in Labirinto de Espelhos (Editorial Minerva)

ESPERANDO QUE NÃO SE DEIXEM "ENROLAR" PELO SÃO PEDRO, QUE ESQUEÇAM O MAU TEMPO QUE DECIDIU INSTALAR-SE (fora de cada um de vós mas não no vosso estado de espírito) DESEJO-VOS QUE APROVEITEM O MELHOR POSSÍVEL ESTE FIM-DE-SEMANA PROLONGADO!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O LAGO

Hoje fui dar um passeio, longe do mar, numa zona campestre, onde poucos homens por lá já passaram. Aqui há um lago que conheço desde pequenina, perto do lago uma pequena casa, com um ar cuidado e acolhedor, rodeada por um pequeno jardim onde o Outono começou a deixar marcas, as buganvílias despedem-se das suas flores e da sua folhagem, a figueira com os seus ramos descarnados, como dedos nodosos de gente muito envelhecida, parecem indicar um caminho, um caminho para o infinito, para a eternidade.
O dia está solarengo, o que não impede que pela chaminé saia um leve fumo acinzentado que se desvanece rapidamente, levado por uma brisa ligeira que beija a minha nuca desprotegida.
Mas o que mais me atrai neste bucólico lugar, a poucos metros da vereda de acesso é esse lago, um lago de ninguém, um lago pertença de quem o souber amar. Sem pressas, deslizo até à sua margem, o meu companheiro segue-me e nos seus olhos vejo reflectidas cores, as diferentes tonalidades das cores do lago e dos nenúfares que o povoam. Sempre em movimentos lentos e silenciosos, para pudermos escutar os sons do silêncio que nos rodeia, procuramos um local para nos sentarmos.

Tela pintada por Claude Monet

Múltiplos desejos percorrem numa viagem alucinante os meus pensamentos e num repente, dependente de uma vontade a que não consegui resistir, dispo-me e entro naquelas águas que me convidam, acenando em círculos, a brincar com elas. Frias, bastante frias, tão frias que me fazem gritar! O meu companheiro também mergulha e juntos encenamos uma dança, uma dança sem ser coreografada, ao sabor do momento, em que o todo que somos, totalmente desprovido de trapos, se envolve, se toca, se acaricia, se confunde … o frio deixa de existir e o calor do nosso amor, da nossa paixão, aquece o nosso coração e o nosso corpo...

terça-feira, 26 de outubro de 2010

UM BEIJO

Naquele dia de Outono o céu começou a chorar, estava escrito no livro da vida que ia acontecer e desejava-mo-lo… Primeiro com lágrimas soltas num choro contido, depois num caudal que corria como rio até ao chão que pisávamos.
Abrigados pelo único chapéu que levávamos, parámos no meio da viela deserta, caminho que nos iria conduzir a um local desconhecido, longe de olhares indiscretos, mas que adivinhávamos acolhedor e belo
.

"Um Beijo" pintado a acrílico sobre tela pelo Renato*

O nosso coração, os nossos corpos, ansiavam por um toque muito íntimo e a chuva ia permiti-lo, dava-nos uma certa invisibilidade.

O odor da terra molhada tornou-se cúmplice do nosso desejo, acirrou-o, tornou-o mais premente, bem juntinhos, olhos nos olhos, lábios sorrindo…as bocas aproximando-se e tocando-se, primeiro leve, breve e docemente… depois perdidas num mar de sensualidade e de volúpia devorando-se…

Aconteceu um primeiro de muitos beijos!

*Ao Renato agradeço o ter-me cedido a fotografia da tela por ele pintada, pedindo desculpa pela ousadia em ter-lhe dado um nome.

domingo, 24 de outubro de 2010

O PASSEIO

O Amor convidou a Amizade para darem um passeio pelos campos da aldeia. Estava-se na Primavera, uma Primavera avançada no tempo, as aves já tinham construído os ninhos e esperavam inquietas o eclorir dos seus filhotes, o colorido das plantas campestres via-se de longe, num matizado que faria as delícias de Monet, as árvores mostravam-se orgulhosas com as suas ramadas carregadas de flores a começarem a transformarem-se em fruto …

O Jardim (1886) de Claude Monet

A Amizade e o Amor lado a lado conversavam, numa cadência suave de quem pensa e sabe bem o que está dizendo:


Que belo está o campo! Que bonitas estão as flores!
Eu sinto-me como uma flor campestre, umas gotinhas de água, uma brisa ligeira, conseguem manter-me viçosa, fazem-me crescer…
Eu também tenho esse sentir mas comparo-me mais a uma flor cultivada, tratada, cuidada todos os dias, pela mão de um homem ou de uma mulher. Quantas vezes me comparo a um antúrio ou a uma rosa, estarei enganado?


Ambos se olharam com um sorriso cúmplice, por breves ou longos instantes, não se pode avaliar, porque o tempo é sem tempo para a Amizade e para o Amor, pairou um silêncio terno…


Será que não somos almas gémeas? Temos tanto em comum…
Estava a pensar exactamente no mesmo. Sou profundo, pleno e incondicional!
Estou presente nos corações, sou compreensivo…
E eu não sou também assim?
És? Claro que sim! Vejo-te a dar sem receber, a aceitar sem julgar, a acreditar sem questionar, …
Como me conheces bem! Eu também tenho uma imagem de ti, mas nem sempre assim tão bonita. Podes ser possessivo, interesseiro, fantasioso, carnal, espiritual, pecaminoso, … mas essa é uma faceta tua que detesto encontrar, quero ser amiga de alguém que tenha mais semelhanças comigo.
E não as temos?
Afinal quais serão as diferenças que nos separam e as que nos juntam?
Tu és mais sensível, mais carinhoso; eu sou mais segura, mais compreensiva.
Tu ofereces asas a quem amas, eu ofereço um chão firme.
Pois sim! Mas quando sou sincero também sou um amigo e tu estás cheia de carinho e de amor!
Estás a quer dizer que quando se ama ou quando se é amigo de alguém, ambos coexistimos no coração desse alguém?


O Amor não deu resposta, ofereceu a mão à Amizade e num silêncio emocionado ambos continuaram, lado a lado, o seu passeio eterno …

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

DOÇURA OU DIABRURA LVIII

Semana repleta de tarefas, para dar cumprimento a várias solicitações, duas efemérides para serem bem comemoradas, os belíssimos 36 anos da minha filha e os dois aninhos do meu sobrinho neto, … repentinamente vejo-me caída no início da noite de 6ªfeira. Sexta-feira à noite! A noite mais desejada da semana, para muitos!
Fim-de-semana?




SILÊNCIO
Sim … Silêncio.
Anseio escutar o silêncio,
Aquele que me permite ouvir a voz mais intrínseca,
A vontade mais íntima.

Silêncio!
E que se calem os ruídos, hipocrisias e as mentiras sem sentido,
E que se ouçam as verdades internas, os afectos e o Amor.
Seja ele… Amor banal; peculiar; insólito ou anormal.

Silêncio terno …
Aquele que cala possessividade e apego,
E escuta um oceano de libertação e aceitação.

Silêncio nobre…
Aquele que cala o politicamente correcto,
E ouve o que é realmente sentido.

Silêncio puro …
Aquele que me livra de toda a turbulência,
Me descansa de qualquer agitação,
E me oferece serenidade para ser.

Silêncio tranquilo…
Aquele que me poupa palavras, os medos e as cobranças.

Silêncio emocionado …
Aquele que me confronta,
Com o que é a minha essência,
Com o melhor e o pior de mim.

Silêncio … terno, nobre, puro, tranquilo e emocionado,
Tantas vezes desconfortável, difícil e preocupante
Tantas vezes rico, subtil e essencial.
Cristina Santos, in Labirinto de Espelhos


NÃO PERMITAM QUE OS DIAS SE DEVOREM UNS AOS OUTROS!
APROVEITEM EM PLENO E EM PAZ, COM AMOR, ESTE FIM-DE-SEMANA!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

UMA NOITE

Gostas da noite?
Fiquei paralizada, procurando desesperadamente encontrar, a uma velocidade imensurável, uma resposta a esta pergunta inesperada.
Que penso da noite? Como a sinto? Gosto? Não gosto? Vi-me perante um dilema…
Meditei:” a noite tem várias faces, em pontos extremos, uma delas esconde os predadores, outra favorece e esconde os amantes. Mas as outras? “
Ignorava a resposta a dar, senti-me vacilante e confusa, sem descortinar uma resposta de sim ou de não.

Noite Estrelada (1889) de Vicent van Gogh


Sentados bem juntinhos com as mãos entrelaçadas, pousadas sobre o meu regaço, ouvindo os acordes de um piano, sons pensados e bem arrumados melodicamente por Ludovico Einaudi em Divenire, ouviu-o falar sobre o amor, já anteriormente declarado, que tem sobre a noite, em silêncio fui criando imagens e pensamentos que me deliciaram e que me foram tornando cada vez mais dócil, mais ternurenta, mais amorosa …


(Na noite sinto-me em paz com o mundo! Sinto-a como uma amiga, uma cúmplice! É como uma mãe que me acolhe num abraço aconchegante pleno de amor. Gosto de sentir o silêncio que ela transporta consigo. Fico mais sensível à poesia…e ao acto de amar. Observo as estrelas e penso nelas como sendo os seres que amei e que me estão a proteger. Namoro ao luar… sonhando a dormir ou acordada … É quase sempre nela que todos os meus sentidos se deslocam para a flor da pele, uma flor acesa que me faz arder de desejo…)

A música que envolvia o nosso bem-estar, o nosso aconchego, chegou ao fim e com este a hora de descansar ou de dar seguimento às carícias que entretanto fomos trocando, enquanto decorria este devaneio, no meio de risadinhas um pouco inseguras, como as dos adolescentes pouco seguros nos passos a dar, alimentado regiamente por quem já tinha pensado neste gosto ou não gosto …

Continuei sem encontrar uma resposta de sim ou não. Apenas posso gritar: Desta noite gostei!

sábado, 16 de outubro de 2010

DOÇURA OU DIABRURA LVII

Numa semana que foi mais ou menos, podia ter sido menos menos ou mais mais, o mais mais seria o ideal, mas não é possível que tudo corra sempre pelos eixos, sem sobressaltos …Basta o tão anunciado O.E. para nos sobressaltar a todos!
Eis-me com a minha DOÇURA ou DIABRURA deste fim-de-semana!



INQUIETUDE

Mudam as estações.
Os prados ainda são verdes, muito além,
ainda há um segredo no parque fechado,
mas nem tu,
meu amor, visitas os aposentos onde ardem
as velas do solitário,
entre damasco e carmim

Os sinos tocam.
Quando amanhece, uma coroa de fogo parece
trespassar o oásis,
a oeste do que sonhei.
Esvoaçam, sobre as torres, aves que desconheço,
a caminho das falésias.
Atravesso o vale, o seu rio incandescente,
mas nem tu,
terno(a) curandeiro(a) do tempo,
suavizas a dor destes anos que passam.
José Agostinho Baptista, in Quatro Luas



O FIM-DE-SEMANA, PARA MUITOS DE NÓS JÁ SE INICIOU, QUE ELE POSSA SER VIVIDO COM A TRANQUILIDADE QUE TODOS MERECEMOS!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

FUI MIMADA!

Estou a ser mimada, que coisa tão boa, e desta vez quem me deu miminhos foram a AUTORA DE SONHOS e a MARIANA MARCIANA.

Da Autora recebi este selinho:

Sem dúvida que adoro sapatos, malas e também gosto de … homens!
Haverá selos sem regras? Penso que não!

As deste são as seguintes:
1-Postar o selo (cumprida)
2-Oferecer o selo a quem comentou o meu último post e, acrescento eu, ao género feminino.

Então aqui vão pela ordem com que comentaram:

C*inderela
Manuela (carta fora do baralho uma vez que já o recebeu)
Autora dos Sonhos (“salta” também, foi ela que me o ofereceu)
Teresa Santos
S*
Avogi
Moonlight
Céu Vieira

3-Avisar as “contempladas" que têm um selo à sua espera

Agora vou “tratar” da Mariana Marciana que andou por Marte um ror de tempo…Já tinha saudades dela é sempre uma lufada de ar fresco! Tão fresco que chegou e começou logo a distribuir miminhos.
Eis o selo:

Que seria da Primavera sem flores? Estamos no Outono mas nada como uma imagem como esta para me animar.

Vou obedecer em parte às regras.
Vou partilhar convosco 10 coisas que amo, não as vou colocar por ordem de importância, mas talvez até sim, mas pela ordem com que me chegam à mente.

AMO:
Os meus netos, os meus filhos, o meu irmão e os meus sobrinhos.
Alguém que penso ser digno desse amor que lhe dedico.
As crianças de um modo geral.
Os meus amigos.
Os meus livros.
Os animais com excepção de cobras e afins, logo eu que sou Serpente no horóscopo chinês.
E respeito a Mãe Natureza com tudo aquilo que ela me oferece bom ou mau.
A profissão que segui e da qual, como é do conhecimento de todos, já estou aposentada.
Este Refúgio onde presentemente me encontro.
Os meus semelhantes embora com algumas restrições.
Muito mais coisas e gosto de milhares de outras mas já indiquei 10! Safei-me!

Agora chegou a altura de me mostrar rebelde, vou quebrar as regras e não vou indicar o nome de ninguém…o motivo é o de sempre, todos os blogues que leio e comento são “flores” imprescindíveis neste espaço blogosférico, tal como as flores o são na Primavera, por isso todos têm direito a este selinho com um aspecto tão fresco, tão carinhoso!
Quem concordar com esta minha apreciação, leve-o por favor!

Para a AUTORA e para a MARIANA com enorme carinho, o meu muito obrigada e os meus BEIJINHOS EMBRULHADOS! BEM-HAJAM!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

AS MINHAS CRIANÇAS

As crianças?
Onde estão as crianças?
Saí correndo e percorri o caminho que me leva à estrada alcatroada desta aldeia que me acolhe há mais de 30 anos. Olhei para ambos os lados da estrada e não as vi, não vi ninguém, parecia que pessoas e animais tinham deixado de existir, o silêncio pesava...
Senti-me noutra dimensão!
(...)
Entrei em pânico, mas rapidamente serenei. Recordei a fonte, aquela que sempre as atraía, para o pé da qual gostavam de ir brincar, aos piratas com tesouros escondidos, um local aprazível com muitos recantos a darem um certo ar de mistério ao local. Percorri os campos pejados de flores e fui paulatinamente admirando as árvores com os ramos dobrados pelo peso dos frutos ainda por colher, … como estavam lindas as searas douradas e os campos de girassóis bem abertos e virados para o sol que escaldava…
Dei seguimento à minha busca e esta terminou!

A minha neta e o namorado (diz ela e eu não a devo, nem quero contrariar)

As crianças estavam lá, mas não estavam… Já não eram crianças! São as minhas crianças adultas.

(...)
Onde estão as crianças? Ficaram para trás, bastante para trás, no tempo… mas continuam comigo nos sonhos que vou tendo … a dormir ou acordada!
(...)

Com a renovação da vida há outras crianças que também são "minhas!...

Vou! As minhas crianças chamam por mim: Mãeeee? Vovóóóóó´?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

DOÇURA OU DIABRURA LVI

Estive ausente dos meus lugares habituais de" circulação". E como Natal é quando o Homem quiser, eu decidi que “Doçura ou Diabrura” vai para o ar quando Eu quiser! Esta não será propriamente uma doçura, será talvez uma diabrura atendendo à intenção, ao recado com que a estou escrevendo. Para a apreciação de todos, mas com a ressalva do poema ter sido escolhido a pensar em alguém muito especial para mim, que considera José Agostinho Baptista um dos melhores poetas portugueses vivos da actualidade, aqui vai a:


CONDENAÇÃO

Não tens fuga.
Aonde quer que vás, tudo irá contigo,
cada amanhecer,
cada linha mortal do teu rosto,
cada náufrago a quem fechaste os olhos,
nos sete mares indóceis da tua vida.

Aonde quer que vás, tudo irá contigo,
abrindo outra ferida,
e numa igreja, sobre o pó,
cairás de joelhos, implorando em vão.

Não tens de olhar à volta, para a estátua que
te contempla.
Irás sem medo,
como quem conhece o vazio da alma,
como quem diz adeus à desolação das terras.

José Agostinho Baptista, in Quatro Luas



PARA TODOS UMA SEMANA QUE HOJE COMEÇA, A SER VIVIDA SEM STRESS, COM MUITOS MOMENTOS DE FELICIDADE!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

SONHANDO

Acordei ao lado da minha amiga languidez que sempre me acompanha neste despertar de noites bem dormidas. Lembrei-me do sonho e essa lembrança tornou-me ronronante!
Emiliano di Cavalcanti (1897-1976)


Observei o espaço que me rodeava, réstias de sol invadiam o meu espaço, e cúmplices do dia esplendoroso que se adivinhava, permitiram-me contemplar, em tons dourados, toda a dimensão que me rodeava. Ergui-me do leito e deixei deslizar a longa veste com que me tinha entregue nos braços de Morfeu, observei-me desnuda no reflexo do espelho que pende numa das paredes do meu quarto, buscava vestígios do sonho … não os encontrei!
Forço-me a relembrar o meu caminhar desta noite, noite alva, iluminada pelo luar. Surgiste de um lugar recôndito do meu lugar do sonho, não vinhas só, nunca vens só, acompanhava-te uma melodia que me fez desejar sentir os teus braços de amante, em redor do meu corpo… Adivinhaste o meu desejo, enlaçaste-me com suavidade pela cintura e ambos rodopiámos ao som de uma valsa de Strauss. Porquê Strauss e não Chopin ou Tchaykovsky, se não a reconheci? Sei agora que foi escrita apenas para nós, ninguém mais a tornará a ouvir, nem a poderá voltar a dançar. Repentinamente… o ritmo melódico alterou-se e o som de um tango emanou das sombras do arvoredo que ladeava o local onde nos encontrávamos… Os nossos corpos envolveram-se em movimentos coleantes, sensuais, bruscos mas ritmados … Fui submissa, de ti recebi paixão, drama, agressividade e tristeza. Mas também houve cumplicidade e sedução, … senti o calor incendiário, incontrolável, do desejo a invadir-me…

A tua figura altiva, esguia e alongada, teve que partir, foi requisitada por Morfeu para dar prazer a outra sonhadora…

Pediste-me tempo! Como te o posso dar se ele não é meu?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

ETERNAMENTE

Chega no início da madrugada, vem lentamente para não me assustar. Todos os meus sentidos voam para a taça receptáculo da vida de onde emanam.
Vejo-o sem o ver… inalo o seu perfume sem o saber identificar…sinto o calor das suas mãos, percorrerem a minha pele nua, sem as sentir… provo o sabor dos seus lábios sem os provar…oiço a sua voz sussurante, como uma brisa suave de uma Primavera aquecida, sem a ouvir…
Entrego-me ao prazer de o ter ao meu lado. Miríades de luzes invadem o nosso espaço, espaço intemporal e etéreo. Acariciamo-nos e entregamo-nos ao prazer do amor… Tornamo-nos um só!
O impiedoso senhor do tempo força o sol a bater à porta do horizonte, o sol é nosso cúmplice tal como a lua em noites de luar, maliciosamente obedece mas com ternura, … o novo dia precisa de nascer!
Eu grávida de felicidade e de exaustão, enrosco-me e deixo-me abraçar pelo senhor do sonho, um abraço faternal, carinhoso, desejado, … adormeço com um sorriso nos lábios entumescidos por tanto beijar, entro sem pedir licença, num mar de calmaria que me transporta para um sono profundo, repousante e prolongado, pleno de sonhos com as cores de um campo pejado de flores campestres…
É a despedida mas uma despedida sem dor, ao raiar da madrugada eu sei que ele vai voltar.
Volta sempre!
O tempo um dia vai parar e ele ficará comigo, protegido pelo sol e pela lua, eternamente…

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

BIPOLARIZAÇÃO

BIPOLAR, uma palavra que, actualmente, se ouve muitas vezes. Será que todas as pessoas que a utilizam conhecem bem a carga psíquica que ela transporta?

Bipolar, bipolarização, não são apenas termos relacionados com a energia eléctrica, nem com a dinâmica, nem com a política, … é um termo que veio substituir a denominação “psicose maníaco-depressiva”. Esta denominação foi considerada por alguns “peritos” na matéria, como muito “depreciativa” até "pejorativa" e hoje fala-se dela como sendo um “transtorno ou distúrbio bipolar”.

Foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra Emil Kraepelin, no século XIX, desde então tem sido estudada e, na actualidade, há fármacos que a vão conseguindo controlar, com algum sucesso, se os portadores deste transtorno estiverem predispostos a aceitar o tratamento. A psicoterapia também dá alguma ajuda.

Como viver com alguém que umas vezes revela uma energia tremenda, tem ideias grandiosas e agradáveis, fala ininterruptamente, demonstra raiva e agressividade pelos que lhe são mais queridos, atira a ética e a moral que regem a sua vida para o “espaço”, gasta descontroladamente… e outras vezes sente-se inferior, só pensa em desgraças, sente-se culpado, pensa no suicídio…e tenta-o?

Eu sei a resposta e devo confessar que é uma tarefa hercúlea! Para manter uma família em “equilíbrio”, tendo alguém no seu seio a sofrer do modo como uma pessoa com este distúrbio sofre e faz sofrer, é algo que a maior parte das pessoas não consegue imaginar…

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DOÇURA OU DIABRURA XLV

“Um sonho não interpretado é como uma carta que nunca se chega a ler” frase que se pode ler no Talmude (um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história do judaísmo ).

Eu tenho um sonho que estou a “interpretar” e, com esta interpretação, desejo ardentemente conseguir ler a carta até ao fim…Perdida "nela" vivi esta semana, esperando continuar a viver, com a mesma intensidade, muitas mais…E, deste modo, cheguei a mais uma Doçura ou Diabrura, desta vez ornamentada com uma pintura de Salvador Dali


“dois anos de amor

as psico horas
da incerteza
e do medo
virá não virá
existo não existo
são os deserdados
anos da substantiva ternura
de Jacob
que esperou em vão
por Raquel
sem saber que o amanhã
é uma religião
que não existe
para além do calendário
sem datas
de uma espera
que teremos um dia de partilhar”.
Miguel Barbosa, in A Eternidade de um Segundo de Amor


UM FIM-DE-SEMANA SUPER, SUPER, SUPER,…FABULOSO!