sexta-feira, 25 de setembro de 2009

LEMBRANÇAS DO MEU AMOR

Uma certa paz invadiu-me, apossou-se de mim e isso dá-me um prazer que não sei descrever. É noite lá fora, oiço o ladrar dos cães, aqui dentro nesta sala do meu Refúgio, com muitas velas acesas (sempre tive uma grande atracção por velas), ouvindo Divenire de Ludovico Einaudi, num ambiente de paz e conforto, recordando épocas passadas em que nada parecia poder perturbar o amor que me envolvia.
O que é o AMOR? Não sei! Só sei o que senti pelo pai dos meus filhos, pelo meu homem, o homem que nos últimos dezoito anos me tornou tão infeliz. Estou saudosa do que fomos um para o outro, mas a sua "amante", uma doença do foro psíquico, foi mais poderosa do que eu.
Apaixonei-me por ser gentil, ter um humor muito subtil, ser reservado, ter umas mãos lindas e uns olhos límpidos que deixavam ver através deles. Senti que era adorada e admirada, deixei-me adorar e devolvi essa adoração. Com ele conheci o prazer do sexo, de tal modo que ainda hoje penso que só voltaria a envolver-me sexualmente com outro homem se sentisse algo semelhante ao que senti pelo João.
Os horários dele não eram muito fixos mas quando estava prestes a chegar eu sentia-o, que sensação tão maravilhosa era o seu abraço, o seu beijo de chegada, o seu cheiro, o roçar da sua barba, o seu bafo no meu pescoço, a sua boca de lábios carnudos, as suas mãos que tão bem sabiam acariciar. No dia a dia, a troca de olhares que fazia surgir um sorriso nos lábios, a cumplicidade nos toques discretos ao passarmos um pelo outro, o adivinharmos o que o outro ia dizer...Tudo sabia a golfadas de felicidade, de bem-estar! Sob forte chuvada, debaixo de um único chapéu, como era saboroso sentir o seu corpo bem juntinho ao meu e um beijo rápido para não ser observado pelos outros transeuntes. Em público sempre fomos parcos nas provas de afecto.
Corrermos lado a lado e eu sempre mais lesta, ultrapassando-o, virando-me para trás, correndo de costas, ele gritando : "és louca, estás ensinando o caminho ao diabo, não o tentes se não ainda te magoas..."
Fazermos amor ao cair da tarde, adormecermos e acordarmos a meio da noite, com fome de comida por não termos jantado, improvisá-la e rirmos, rirmos descontrolados por trocarmos tempos....Olharmo-nos e rirmo-nos sem saber porquê.
Observarmo-nos ao espelho com uma luz difusa e acharmo-nos lindos....
Vermos televisão aconchegadinhos, por vezes com a cabeça repousada no colo do outro, afagando os cabelos. As cócegas que eu tinha, as fugas que fazia para fugir delas. Como se ria quando eu corava, com as palavras ou convites, mais ousados, que me sussurrava ao ouvido. Como se divertia por me ver corar.
Como me acariciava e beijava o ventre, falando com os filhos ainda por nascer.
Como era bom passearmos pelo campo sentindo o cheiro da terra molhada e falando nisso.
Quantas vezes, e já com filhos, durante o dia pensava nele e desejava o momento em que chegaria. E quando chegava bravo, cheio de problemas, prestes a explodir, e eu lhe dizia com um sorriso nos lábios e os olhos arregalados: "Conta até 3! Não! É melhor contares até 10!". Ele sorria e juntinhos no quarto ou na sala ouvia atentamente as suas queixas e tentava minimizar os seus problemas ou ajudá-lo a encontrar um caminho para a busca de solução.
O dormir de cadeirinha e acordar na mesma posição ainda que voltados para o outro lado da cama. O desejo a meio da noite que levava um ou outro a perguntar: "Estás acordado/a?" Ambos sempre tão disponíveis!
E quando nos zangávamos, como era maravilhosa a reconciliação! O conhecimento profundo do corpo do outro, conhecimento feito a pouco e pouco, num passo a passo lento no tempo.
O início sereno do jogo amoroso, as palavras sussurradas, as risadinhas, o crescendo no avanço das carícias e o deleite.
O após deleite !!!!!!
Muito mais poderia dizer sobre o que os meus sentidos gravaram mas não penso ser aqui o local, nem o tempo certo.
De uma coisa eu tenho a certeza: como pessoas éramos o dia e a noite. Eu alegre, bem disposta, positiva, extrovertida com facilidade em fazer amigos e conhecidos. Ele triste, negativo, rezingão, introvertido e com poucos amigos.
Que feliz que fui por ter partilhado parte da minha vida com o João, meu marido, meu homem, meu amante, meu companheiro, meu cúmplice e meu amigo.

O que senti e descrevi foi AMOR? Alguém sabe responder-me?

16 comentários:

  1. Se não foi Amor foi o quê? A doença pode ter feito muitos estragos, mas viveram momentos únicos, que só são possíveis quando existe muito amor e cumplicidade. Que feliz que ele ficaria se pudesse ler este post... Sou testemunha do enorme amor que ele tinha por ti... até ao último minuto. (Ao ler este teu post, as lágrimas foram inevitáveis... A tua neta perguntou: "Porque estás assim, mamã?". Eu expliquei-lhe que a avó tinha escrito um texto sobre o avô e que eu estava triste porque tinha saudades dele... "Deixa de pensar nisso, mamã. Um dia vamos para o céu e encontramo-nos... Mas ainda falta muito tempo!" As crianças sabem fazer-nos sorrir!)

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  2. maria teresa...

    Quando observo antentamente, este quadro, deixas-me pensativo.
    Não pela parte mais dolorosa, não.Mas, pelo amor descrito com o teu coração sensivel,observando os gestos de ternura - mesmo quando acontecia o aborrecimento - Gosto de olhar-te porque me vejo aqui...

    beijinhos
    Gosto cada dia mais, de estar aqui um poukinho para observar o amor!

    Pj

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  3. Este teu texto poderia ser a minha história no futuro... O fim é inevitável quando vemos que não há futuro na relação... Foi isso que fiz... Decisão tão difícil mas necessária... Sim, é AMOR! Em toda a sua plenitude!!! beijinho

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  4. Que bem que descreves as tuas emoções. A história é mesmo tua, não é? Acabei de a ler à minha mulher e a lágrima sempre pronta veio-lhe aos olhos. Recebi um beijo como prémio por lha ter mostrado.
    Vasco

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  5. O João foi o meu pai, pai de um filho ausente, ausente pelos destinos da vida, pelas opções da vida, por opção minha.
    Quase nada conheci desse lado da família mas agora estou a recuperar alguma coisa do passado que perdi.
    O que aqui li ajudou-me a conhecer o meu Pai desconhecido e comoveu-me.
    Não sou muito (ou nada mesmo) a favor de “blogues familiares” e deste tipo de trocas de mensagem em público.
    Mas hoje abro uma excepção para escrever esta modesta e mal alinhavada mensagem e que é dedicada à Ana Rita, minha doce, irmã que estou a conhecer aos poucos e a recuperar do passado para o futuro.
    E quero assinar este comentário orgulhosamente com JORGE TEIXEIRA filho do João.

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  6. Maria Teresa, quase que me sinto a invadir um espaço familiar...privado e íntimo, mas para responder à sua pergunta, claro que é a descrição perfeita do que é o amor! E nem imagina como me revi nas suas palavras. Parecia que estava a ler a descrição exacta de como era a relação que tive! Também eu conheci um amor assim (felizes de quem já tiveram essa sorte), e também uma "amante" chamada heroína me "roubou" o meu amor...pois já não era o mesmo homem ao fim de 11 anos. Mas amei...e fui muito amada, pelo único homem que verdadeiramente me amou...
    Adorei este relato e tenho também que lhe dar os parabéns pela sua família, bem-hajam todos.

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  7. Ana e Jorge
    Ambos sabem que têm o vosso nome gravado na minha Pulseira do Amor ( será tema num próximo post) não vos vou dizer mais nada aqui.
    O silêncio, vocês sabem disso, entre pessoas que se conhecem e se gostam "diz-nos" muito.

    Pjsoueu
    Desejo que na sua vida amorosa seja tão feliz como eu fui e na sua VIDA também.
    A "felicicidade" não está sempre visível é necessário ir ao seu encontro, procurá-la,... alimentá-la.

    Buxexinhas
    Teve o condão de despertar em mim uma empatia que considero ser muito rara no mundo virtual.
    Não interpretei correctamente o seu grito de alma (estou a referir-me ao que li no seu blogue), vejo que o "caso" é mais profundo do que eu pensava.
    Acredite que vai ficar "bem", seja qual for o desfecho.
    Espero que a próxima semana seja o início de uma grande carreira como química!

    Eva

    Penso que a "virtualidade" pode aproximar pessoas e tornar amigos virtuais em reais, talvez possa a vir a ser o nosso caso.
    Necessitava de escrever o que escrevi, foi uma catarse que me fez muito bem.
    A minha "rival" foi uma "bipolar" com todas as manifestações que a Eva conhece em profundidade.
    A Vida sorri a ambas! Vamos caminhar de cabeça bem erguida, aproveitando os pedacinhos de felicidade que todos os dias nos caem no colo?

    Beijinhos para todos e o meu OBRIGADA!
    Beijinhos

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  8. Vasco
    Desculpa! Ficaste "esquecido", mas aqui estás lembrado.
    A "história" foi vivida por mim sim mas nem tudo foram rosas. Foste premiado com um beijo "conserva-o". Deve ter sido um momento de ternura que não deves perder.

    Obrigada!
    Bom fim de semana!

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  9. Em primeiro lugar e em jeito, não de beijo, mas de palmadinha nas costas: obrigado por ter passado pelo meu cantinho.

    Não posso deixar, como não acredito que qualquer leitor possa, de ficar comovido com tão genuína descrição. Em tudo o que é bom, nenhuma ponta de final pode ser feliz, ainda que, a verdadeira felicidade se manifeste para além do tempo. Em fotografias, em contares, na memória dos que a viveram e no sorriso dos que dela conhecem (como é o meu caso).

    PS: as citações em rodapé são absolutamente deliciosas...

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  10. Isto é o sonho de qualquer pessoa... Muitos nunca chegam a saber o que isso é.
    Para quem vive uma relação assim, nada fica igual depois disso... Vale o saber que se viveu algo que nem toda a gente consegue.

    *

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  11. Sim, foi amor... Daqueles muito raros e que acontecem apenas uma vez na vida... Mesmo com maus momentos, deve agradecer por ter conhecido esse sentimento que tantos buscam mas poucos alcançam! Beijinhos

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  12. Que linda tua história, amiga querida!
    Deixou-me emocionada demais!
    beijo com muito afeto,
    Neli

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  13. maria teresa,
    Ler um testemunho na 1.ª pessoa, do que é o amor autêntico, foi um verdadeiro privilégio.
    Fiquei muito feliz por ti. É que são raros os que tiveram/têm a dita de viver um amor assim.
    Beijinho, simplesmente.

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  14. Querida Teresa muitos não o vivem porque não o sabem cuidar, eu tive a felicidade de ter sabido fazê-lo...
    Beijinhos

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  15. Querida Neli foi bonito e bom mas...teve um fim sem retorno!
    Beijinhos

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  16. Querida Narizinho e agradeço mesmo e muito...
    Beijinhos

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