Uma certa paz invadiu-me, apossou-se de mim e isso dá-me um prazer que não sei descrever. É noite lá fora, oiço o ladrar dos cães, aqui dentro nesta sala do meu Refúgio, com muitas velas acesas (sempre tive uma grande atracção por velas), ouvindo Divenire de Ludovico Einaudi, num ambiente de paz e conforto, recordando épocas passadas em que nada parecia poder perturbar o amor que me envolvia.
O que é o AMOR? Não sei! Só sei o que senti pelo pai dos meus filhos, pelo meu homem, o homem que nos últimos dezoito anos me tornou tão infeliz. Estou saudosa do que fomos um para o outro, mas a sua "amante", uma doença do foro psíquico, foi mais poderosa do que eu.
Apaixonei-me por ser gentil, ter um humor muito subtil, ser reservado, ter umas mãos lindas e uns olhos límpidos que deixavam ver através deles. Senti que era adorada e admirada, deixei-me adorar e devolvi essa adoração. Com ele conheci o prazer do sexo, de tal modo que ainda hoje penso que só voltaria a envolver-me sexualmente com outro homem se sentisse algo semelhante ao que senti pelo João.
Os horários dele não eram muito fixos mas quando estava prestes a chegar eu sentia-o, que sensação tão maravilhosa era o seu abraço, o seu beijo de chegada, o seu cheiro, o roçar da sua barba, o seu bafo no meu pescoço, a sua boca de lábios carnudos, as suas mãos que tão bem sabiam acariciar. No dia a dia, a troca de olhares que fazia surgir um sorriso nos lábios, a cumplicidade nos toques discretos ao passarmos um pelo outro, o adivinharmos o que o outro ia dizer...Tudo sabia a golfadas de felicidade, de bem-estar! Sob forte chuvada, debaixo de um único chapéu, como era saboroso sentir o seu corpo bem juntinho ao meu e um beijo rápido para não ser observado pelos outros transeuntes. Em público sempre fomos parcos nas provas de afecto.
Corrermos lado a lado e eu sempre mais lesta, ultrapassando-o, virando-me para trás, correndo de costas, ele gritando : "és louca, estás ensinando o caminho ao diabo, não o tentes se não ainda te magoas..."
Fazermos amor ao cair da tarde, adormecermos e acordarmos a meio da noite, com fome de comida por não termos jantado, improvisá-la e rirmos, rirmos descontrolados por trocarmos tempos....Olharmo-nos e rirmo-nos sem saber porquê.
Observarmo-nos ao espelho com uma luz difusa e acharmo-nos lindos....
Vermos televisão aconchegadinhos, por vezes com a cabeça repousada no colo do outro, afagando os cabelos. As cócegas que eu tinha, as fugas que fazia para fugir delas. Como se ria quando eu corava, com as palavras ou convites, mais ousados, que me sussurrava ao ouvido. Como se divertia por me ver corar.
Como me acariciava e beijava o ventre, falando com os filhos ainda por nascer.
Como era bom passearmos pelo campo sentindo o cheiro da terra molhada e falando nisso.
Quantas vezes, e já com filhos, durante o dia pensava nele e desejava o momento em que chegaria. E quando chegava bravo, cheio de problemas, prestes a explodir, e eu lhe dizia com um sorriso nos lábios e os olhos arregalados: "Conta até 3! Não! É melhor contares até 10!". Ele sorria e juntinhos no quarto ou na sala ouvia atentamente as suas queixas e tentava minimizar os seus problemas ou ajudá-lo a encontrar um caminho para a busca de solução.
O dormir de cadeirinha e acordar na mesma posição ainda que voltados para o outro lado da cama. O desejo a meio da noite que levava um ou outro a perguntar: "Estás acordado/a?" Ambos sempre tão disponíveis!
E quando nos zangávamos, como era maravilhosa a reconciliação! O conhecimento profundo do corpo do outro, conhecimento feito a pouco e pouco, num passo a passo lento no tempo.
O início sereno do jogo amoroso, as palavras sussurradas, as risadinhas, o crescendo no avanço das carícias e o deleite.
O após deleite !!!!!!
Muito mais poderia dizer sobre o que os meus sentidos gravaram mas não penso ser aqui o local, nem o tempo certo.
De uma coisa eu tenho a certeza: como pessoas éramos o dia e a noite. Eu alegre, bem disposta, positiva, extrovertida com facilidade em fazer amigos e conhecidos. Ele triste, negativo, rezingão, introvertido e com poucos amigos.
Que feliz que fui por ter partilhado parte da minha vida com o João, meu marido, meu homem, meu amante, meu companheiro, meu cúmplice e meu amigo.
O que senti e descrevi foi AMOR? Alguém sabe responder-me?