Fui até Puerto Lápice pela moderna auto-estrada da Andaluzia, por esse motivo cheguei muito antes de D. Quixote que percorreu o antigo Caminho Real, ele tinha em mente, soube-o depois, ser armado cavaleiro. De acordo com a lei da cavalaria, enquanto não fosse armado cavaleiro não podia lutar contra um, e esse era um sonho que o perseguia. Nesse lugar talvez fosse possível, há (havia) uma encruzilhada, servida por muitas estalagens, havendo muitas estalagens, “há” muita gente, havendo muita gente, “há” a hipótese de se viverem muitas aventuras.
Vi-o chegar, ao anoitecer, cansado e morto de fome. Olhou para uma das estalagens, aquela que tinha à porta duas raparigas “da vida airada”(1), de imediato pensou que se tratava de um castelo e na sua mente conturbada, conseguiu ver as quatro torres com coruchéus(2) de prata reluzente, a ponte levadiça e até um fosso bastante profundo. As duas moças seriam donzelas que na frente do castelo passeavam, tomando “ares”…
Abreviando a “aventura” devo dizer-vos que o estalajadeiro se apercebeu de imediato que aquela tão despropositada figura, pertencia a um homem que não funcionava bem da tola, mas atendeu-o, servindo-lhe uns restos de comida...
Que figuraça que D. Quixote fez! Foi motivo de gargalhada geral. As moças ajudaram-no a “despir”, mas a celada (3) teve que ficar, tantos eram os nós que a seguravam.
Para comer tinha que levantar a viseira com as mãos, então como levar a comida à boca? Uma das moças ajudou-o. Dar-lhe de beber? Impossível! Mas o estalajadeiro, homem arguto e criativo, adaptou uma cana, cortou-a pelos nós, meteu-lhe na boca uma das extremidades e pela outra “enviava-lhe” o vinho.
Vi-o chegar, ao anoitecer, cansado e morto de fome. Olhou para uma das estalagens, aquela que tinha à porta duas raparigas “da vida airada”(1), de imediato pensou que se tratava de um castelo e na sua mente conturbada, conseguiu ver as quatro torres com coruchéus(2) de prata reluzente, a ponte levadiça e até um fosso bastante profundo. As duas moças seriam donzelas que na frente do castelo passeavam, tomando “ares”…
Abreviando a “aventura” devo dizer-vos que o estalajadeiro se apercebeu de imediato que aquela tão despropositada figura, pertencia a um homem que não funcionava bem da tola, mas atendeu-o, servindo-lhe uns restos de comida...
Que figuraça que D. Quixote fez! Foi motivo de gargalhada geral. As moças ajudaram-no a “despir”, mas a celada (3) teve que ficar, tantos eram os nós que a seguravam.
Para comer tinha que levantar a viseira com as mãos, então como levar a comida à boca? Uma das moças ajudou-o. Dar-lhe de beber? Impossível! Mas o estalajadeiro, homem arguto e criativo, adaptou uma cana, cortou-a pelos nós, meteu-lhe na boca uma das extremidades e pela outra “enviava-lhe” o vinho.
Depois do jantar o nosso bravo aventureiro implorou ao “senhor do castelo” que o armasse cavaleiro. O bom homem, embora um pouco hesitante, acabou por anuir mas, marcou a “cerimónia da investidura” para mais tarde, pela manhãzinha.
O que fazer até essa hora gloriosa? D. Quixote decidiu que levaria a noite a “velar as armas” para tal acto, tão solene, colocou toda a parafernália de objectos que transportava sobre uma pia que por ali havia. Com a lança na mão “passeou-se” em frente à pia com os olhos sempre fixos nas suas “coisas”.
Quis o destino que por ali passasse um arrieiro que quis dar de beber aos seus animais, sem grandes cerimónias, atirou os pertences de D. Quixote para o chão. Desgraçado! Levou com a lança no cachaço! Não morreu mas ficou esticadinho nos chão…Os utensílios foram apanhados e de novo colocados sobre a pia.
Não é que outro arrieiro fez exactamente o mesmo e a cena se repetiu?
Antes que algum dos seus clientes se finasse o estalajadeiro decidiu “armá-lo” cavaleiro.
Com o livro em que assentava a palha e a cevada que vendia, “lendo-o” como quem reza uma devoa oração, levantou a mão e deu-lhe um valente calduço, e depois com a espada uma pranchada (4). Uma das “donzelas” colocou-lhe a espada à cinta e disse: “Deus faça a Vossa Mercê muito bom cavaleiro, e lhe dê ventura em lides” (sic)
Depois de “armado” cavaleiro, D. Quixote não perdeu mais tempo em Puerto Lápice: “Seria a da alvorada quando D. Quixote saiu da estalagem tão contente, tão airoso, tão alvoraçado por ver-se já armado cavaleiro, que o prazer rebentava-lhe pelas cilhas do cavalo…” (sic)
E com esta cena, eu saí de “cena” e também de Puerto Lápice, onde não há nada de interessante para se ver… a não ser o relembrar as cenas, indiscutivelmente bem descritas e ao pormenor, da investidura de D. Quixote como cavaleiro, pelo poeta, dramaturgo e romancista Miguel Cervantes.
Nota:
Esperando que Cervantes não se tenha agitado muito no túmulo com as interpretações que estou a dar à sua obra, e que até vele por mim que a estou a publicitar de borla, não resisti em usar alguns termos menos usuais, "utilizados" por ele e vulgares na época em que escreveu esta obra.
O estalajadeiro é citado no original como vendeiro, que na época teria talvez o significado de taberneiro.
(1) Expressão usada por Cervantes para denominar prostitutas.
(2) Parte mais elevada das torres
(3) Armadura defensiva da cabeça que no caso de D. Quixote era de cartão.
(4) Batida com a parte plana da espada
(1) Expressão usada por Cervantes para denominar prostitutas.
(2) Parte mais elevada das torres
(3) Armadura defensiva da cabeça que no caso de D. Quixote era de cartão.
(4) Batida com a parte plana da espada
Só lhe perdoo o "pecado" de ter ido pela auto estrada, porque estas descrições estão excelentes. Vai ver que um dia destes o Cervantes ainda lhe vai enviar "royalties" para pagar a publicidade. :-)
ResponderEliminarMinha querida
ResponderEliminarViajo contigo, nestes lindos textos.
Beijinhos
Sonhadora
D. Quixote....é fascinante!!!!!!
ResponderEliminarA descrição...mais fascinante ainda!!!!
Mais não digo...porque não é necessário!
jinhos :)
Apesar de ter algum sangue andaluz, não conhecia este episódio de D. Quixote. Obrigado Maria Teresa por mais uma viagem maravilhosa.
ResponderEliminarBeijinhos doces, Ava.
Quem nunca leu a obra, não a vai perder, estou certo!
ResponderEliminarQuerido Carlos será que sim? Não me levará antes a tribunal por eu lhe adulterar as "palavras"?
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!
Querida Sonhadora espero que pelo menos te divirtas um pouco, como eu me divirto a relembrar a obra de Cervantes e a a "recontá-la" de um modo um pouco abusivo:):):)
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para ti!
Querida Canhota diga, diga! Fascinante foi o seu útimo post!
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!
Querida Ava este episódio está descrito em dois capítulos com pormenores fantásticos, eu sempre que os releio rio imenso...O modo como Cervantes descreve os personagens que assistem a este disparate todo...é hilariantemente contagioso.
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!
Querido Pinguim espero bem que pelo menos alguns o façam, nem que seja "concentrada" se acaso existir.
ResponderEliminarEstes meus breves apontamentos são concentradíssimos:):):)
Beijinhos sem embrulho para ti!
Então agora foste para Puerto Lápice atrás do Quixote? Deu-te forte desta vez!
ResponderEliminarAo menos chegaste a comprar alguma cevada ao estalajadeiro para dares ao Rocinante? E ele assentou a compra no tal livrinho para depois pagar o IVA?
Ou fez-te desconto exactamente para não te passar recibo?
Vê lá se andas a transgredir que o Sancho cá do sítio ainta te vai ao subsídio de Natal para pagares tudo com língua de palmo.
:-)
Sabes uma coisa?
Porque não escreves tu "à tu manera" o D. Quixote?
Eu depois publico-to.
Como é bom neste "Puerto" atracar.
ResponderEliminarAndei um tempo a Navegar (até o meu blog esteve parado), agora regressei do «Mar». Estou a "matar saudades" do que em «Terra» tinha deixado. Gostei de aqui voltar!
:) Marlene
Querida Marlene espero que esse navegar tenha sido por mares bastante calmos... Já tinha dado pela sua ausência no seu blogue. Obrigada pelas suas gentis palavras!
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!
Gostei muito, principalmente das expressões. Beijinhos.
ResponderEliminarQuerido Carapau por onde tens andado? Por águas poluídas com chumbo ou mercúrio que te provocaram um distúrbio neurónico?
ResponderEliminarÉ evidente que, como D. Quixote não tinha um "tuste", eu paguei todas as despesas dele e do Rocinante com IVA a 23%.
E não paguei ao Sancho, porque ele nesta cena não entra, perdeu-se no caminho ...
Vou pensar na tua proposta! Mandas-me o contrato por escrito?
Beijinhos embrulhados para ti!
Querida Olga obrigada pelas suas amáveis palavras!
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!
Fugido eu?
ResponderEliminarTu é que tens andado arredada dos meus sítios. Tenho publicado coisas com cólidade :-)
Quanto ao contrato, segue brevemente pelo correio habitual.
Carapau cumpre! (não sei onde já ouvi isto...)
Querido Joel, a publicidade está feita...E já agora, quando quiser voltar faça-o, será bem recebido...
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!
Querido Carapau o "fugido" não foi no sentido que lhe deste, possivelmente eu expliquei-me mal. Era fugido das lides de D. Quixote....
ResponderEliminarCarapau, carapau! Não imites as coisas que "ouves"por aí, muito menos promessas, que estas leva-as o vento:):):)
Beijinhos sem embrulho para ti!
Querida Maria Teresa
ResponderEliminarEstou a adorar a partilha do teu caderno de viagens.
Tenho comentado pouco mas lido bastante. Me desculpa... logo logo saberás o que tanto tempo está a ocupar a um reformado.
Beijinhos.
Querido Vicktor, não tens nada que apresentar desculpas. Presentemente eu também estou um pouco mais afastada dos blogues, outros afazeres clamam por mim...
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para ti!
Estou a gostar de viajar por aqui...e agora com novo visual, apetece. Está lindo!com um ar primaveril.
ResponderEliminarBjs
Querida Lilá(s)este ainda não é o visual da minha preferência mas tenho que me contentar, não percebo nada do assunto.
ResponderEliminarIsto tornou-se como os perfumes, mais pesado na época fria, mais leve na época quente....
Beijinhos sem embrulho para si!
cervantes é muito admirada sua obra aqui no brasil.
ResponderEliminarQuerido Endim, Cervantes é conhecido no mundo inteiro, ele foi poeta, dramaturgo e romancista.
ResponderEliminarBeijinhos sem embrulho para si!