E o meu irmão! Sim o meu irmão! Escondido e bem protegido no ventre da minha mãe. Nasceria apressadamente poucos meses depois, estava ansioso por nos conhecer, sabia que ia ser amorosamente recebido.
Falar da minha mãe é-me muito difícil, não por causa da dor da sua partida, nem das saudades, mas porque não encontro palavras para a descrever…
Não me lembro de ter tirado esta fotografia mas, com a anotação feita pelo meu pai sei que tinha 5 anos e ela 25. Com esta mostra documental, todos acreditam quando afirmo que ela foi a minha mãe, a mulher que me trouxe no ventre durante nove infindáveis meses (no dizer dela)
Dez anos depois, as pessoas que não nos conheciam, pensavam que éramos irmãs, eu cresci demasiado depressa, ela manteve-se jovem e com feitio de menina.
Desde aí passei de filha a mãe, não que ela não conhecesse muito bem o lugar que ocupava na família, mas porque era muitíssimo mimada e adorava sê-lo, as lágrimas afloravam-lhe aos olhos com imensa facilidade, amuava quando era contrariada e todos nós lhe fazíamos as vontades.
Foi muito amada, o meu pai mais velho do que ela 8 anos, idolatrava-a!
Dela só consigo descrever situações…
Não me lembro de a ver com o ventre dilatado, mas lembro-me de um casaco que ela usava (mais tarde vim a saber que era um casaco de grávida) todo aos godés e de como gostava de me meter debaixo de toda aquela roda.
Recordo o dia em que o meu irmão, bebé permaturo, nasceu! A minha mãe percorria o corredor imenso, da nossa casa de família (que saudades) , de um lado para o outro, comigo, a minha avó e o meu padrinho atrás, numa estranha procissão. Este passarinhar, que não sei se demorou muito ou pouco tempo, terminou com a chegada do meu pai e do meu avô paterno.
Era muito simpática, excelente anfitriã, adorava dançar mas cantava pessimamente, (cala-te boca que o meu “canto” afugenta todos em redor) , vê-la dançar o charleston era um delírio … nunca consegui fazer a troca das mãos e joelhos, “escangalhava-me” sempre a rir
Ela que casou com 19 anos odiava os meus namoricos, fazia-me a “vida negra”.
Amuava…fazia queixinhas ao meu pai, ele dizia: Ai sim! A malandra! – E piscava-me o olho.
Não penso nela sem a dissociar de mim, lembro-me de episódios mais ao menos recambolescos que se passavam com as duas. A minha avó muitas vezes observava mas não intervinha.
Desde muito pequena que sempre gostei muito de ler, material não faltava lá por casa, a minha mãe não apoiava todo o tempo que eu usava para fazê-lo, impunha-me tarefas, eu resolvia o assunto fugindo para a casa de banho, sentava-me na sanita e lia. Quando ela dava pela minha falta eu tinha sempre um álibi e o rabo gelado… Como ficava “brava” comigo!
A sua presença dia e noite, servindo de veículo transmissor do exterior para a minha cama de doente quando tive febre tifóide…jamais o esquecerei!
A compra de uns sapatos brancos na rua do Loreto…eu queria uns, ela queria que eu comprasse outros…o empregado teve a triste ideia de dizer: “Os que a sua mana gosta mais, ficam-lhe melhor”! Dei-lhe um berro: “Não é minha mana é minha mãe!”
Não escondia a idade, pelo contrário, por vezes, ainda faltavam meses para o seu aniversário e já lhe acrescentava um ano. Adorava que lhe dissessem que parecia muito mais nova!
Mudava de fatiota pelo menos duas vezes por dia, sempre foi assim, e isto tornou-se um pesadelo quando ficou muito idosa, o guarda-roupa, mal eu voltava costas, era literalmente espalhado pelo quarto, tarefa executada pelo meu pai, para ela escolher a vestimenta que queria usar para ir à rua ou para se sentar à mesa.
E a loucura por chapéus, boinas e afins (tenho a quem sair) !
As nossas idas, apenas as duas, ao São Carlos…
Como ficou zangada por eu ter ido, na véspera do meu casamento (casei a uma segunda-feira), sozinha ao teatro com aquele que no dia seguinte se ia tornar e se tornou o pai dos meus filhos…
Tanta, tanta partilha, mas nem eu nem a restante família tem dúvidas, desde a minha adolescência que o “ombro de mãe” era o meu e não o dela!